domingo, 23 de maio de 2010

Pedofilia na Internet

Carla Rodrigues Araújo de Castro




O avanço da tecnologia na área da informática provocou uma grande revolução nas relações sociais. As facilidades alcançadas pelo uso do computador e, principalmente, a Internet, transformaram a vida moderna. É a era da Informática.
Estas inovações propiciaram o aparecimento de novos tipos de crimes ou novas formas de praticar os já conhecidos tipos penais, surgindo os crimes de informática.
Assim, crime de informática é aquele praticado contra o sistema de informática ou através deste, compreendendo os crimes praticados contra o computador e seus acessórios e os perpetrados através do computador. Inclui-se neste conceito os delitos praticados através da Internet, pois pressuposto para acessar a rede é a utilização de um computador.
Dos crimes praticados através da Internet a pedofilia é sem sombra de dúvidas o que causa maior repúdio e revolta na sociedade. É inaceitável o constrangimento ao qual as crianças e adolescentes são submetidos para saciar o prazer doentio e repugnante de pessoas imorais. A pedofilia tira da criança o que ela tem de mais valioso, sua inocência, sua infância. Uma conduta tão grave como esta merece uma severa reprimenda por parte da sociedade, seja pelo Poder Público, ao processar e julgar os criminosos, seja pela participação individual de todo cidadão, ao denunciar os envolvidos nesta prática e apontar os sites de divulgação.
A pedofilia consiste num distúrbio de conduta sexual, no qual o indivíduo adulto sente desejo compulsivo por crianças ou pré-adolescente, podendo ter caráter homossexual ou heterossexual. Na maior parte dos casos trata-se de homens, muitos deles casados, que se sentem incapazes de obter satisfação sexual com uma pessoa adulta.
O Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei 8.069/90, cuida dos direitos das crianças e dos adolescentes. Criança, para o estatuto, é a pessoa até doze anos de idade incompleto e adolescente aquela entre doze e dezoito anos (artigo 2º da Lei 8.069/90).
A Lei 8.069/90 possui vários tipos penais, dentre eles encontramos o referente à pedofilia.
Art. 241. Fotografar ou publicar cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente:
Pena – reclusão de um a quatro anos.
Publicar é tornar público, divulgar. Quem insere fotos de criança ou adolescentes em cena de sexo na Internet está publicando e, assim, cometendo a infração. O crime pode ser praticado através de sites, home pages, muitas delas destinadas à pornografia. É importante salientar que não importa o número de internautas que acessem a página, ainda que ninguém conheça o seu conteúdo, as imagens estarão à disposição de todos, configurando a infração. Por outro lado, quem envia um e-mail com uma foto anexada não está tornando público e sim enviando a pessoa determinada, destarte, a conduta é, infelizmente, atípica.
O bem jurídico protegido pelo ECA, é a criança e o adolescente. Surge uma dúvida. Somente as brasileiras estão protegidas? E as estrangeiras? Entendemos que todas as crianças estão amparadas, até porque nossa Constituição não faz diferença de tratamento entre brasileiros e estrangeiros residentes no País.
Como a lei protege o menor, há quem sustente que só existirá crime quando a vítima for conhecida e identificada. Ousamos discordar. Ainda que desconhecida, a criança ou adolescente que tevê sua foto divulgada está protegida pelo ECA. Desta forma, a identificação pode facilitar a persecução penal, mas sua ausência não tem o condão de impedir o processo.
Obstáculos existem para a punição deste crime. Duas situações podem dificultar a condenação de quem publica fotos na rede. Na primeira o agente conhece a adolescente, trata-se de pessoa identificada e, quando é ouvida, esclarece que afirmou ser maior de idade. Muitas vezes, a compleição física de uma moça de 16, 17 anos é semelhante à de uma mulher maior de idade. Se a moça disse ser maior, é difícil comprovar que o agente conhecia sua real idade. Ausente o conhecimento, não há dolo, elemento subjetivo do tipo. É lógico que a acusação pode sustentar a incidência do dolo eventual, ou seja, o agente desconfiou da idade e sem saber ao certo, divulgou as fotos. Caberá ao juiz, diante do caso concreto, solucionar a questão.
Outro problema para apuração do delito é o desconhecimento da identidade da vítima, o agente recebeu ou capturou as fotos na rede e as divulga. Com base unicamente na foto não será possível afirmar com grau de absoluta certeza, necessária a condenação, se a moça possui: 16, 17 ou mais de 18 anos. Também aqui é admitido, em tese, o dolo eventual.
Observe-se, que estes argumentos só poderão ser utilizados quando se tratar de adolescente fisicamente desenvolvida, o que pode provocar dúvida sobre sua idade. Em relação a crianças, é inadmissível este tipo de alegação. Ninguém pode questionar o fato de uma menina de 8, 10 ou 12 anos ser menor. Aqui, é indiferente estabelecer a idade exata da vítima, pois o legislador protege todos os menores.
Outro ponto que merece atenção é a autoria do delito. Na pedofilia, como nos outros crimes praticados através da Internet, não é difícil identificar a máquina, posto que todo computador possui um número, o problema é saber quem utilizou o computador para divulgar as fotos de crianças e adolescentes. Em se tratando de empresas, estabelecimentos de ensino, cafés e outros locais em que o uso é feito por diversas pessoas, a investigação pode ser infrutífera.
Quanto à responsabilidade do provedor, entendemos que deva existir uma fiscalização interna, a fim de coibir a prática da pedofilia. Todavia, não deve incidir a responsabilidade penal nos fatos praticados pelos usuários.
Embora a pena abstratamente cominada admita a suspensão condicional do processo, entendemos ser impossível a concessão do benefício (art. 89 da Lei 9.099/95), pelas seguintes razões: A conduta social de quem divulga fotos de crianças e adolescentes em cena de sexo é extremamente reprovável, causando repúdio e revolta na sociedade. Os motivos que levam o agente à prática do crime são imorais e repugnantes. Acrescente-se que as conseqüências deste tipo de infração podem ser gravíssimas. O agente que divulga as fotos de um menor, além de expor sua privacidade, provoca traumas irreparáveis. Observe-se, que muitas vezes tais fotos são divulgadas a outros menores, o que gera um distúrbio em seu amadurecimento sexual. As circunstancias do fato são desprezíveis, o agente utiliza as crianças para satisfazer sua lascívia. Assim, que comete tal conduta é indigno, depravado e pervertido.
É certo que tal proibição não pode ser genérica, mas também é certo que os argumentos acima incidirão em 99% dos casos, daí sustentarmos a inadmissibilidade do benefício.
Pelo exposto, concluímos que a pedofilia praticada através da Internet é punível desde que a conduta do agente se amolde ao tipo penal do art. 241 da Lei 8.069/90, ou seja, haja publicidade. Nos casos de envio de fotos anexadas a e-mails ou transferências de arquivos a pessoas determinadas, lamentavelmente, não há crime a punir.


Promotora de Justiça no RJ, Professora da Universidade Estácio de Sá e autora do livro Crimes de Informática e seus aspectos processuais, pela editora Lumen Júris. carla@imagelink.com.br

http://www.buscalegis.ccj.ufsc.br/revistas/index.php/buscalegis/article/viewFile/3386/2957

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